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NOSSO POVO, NOSSA HISTÓRIA: ?As parteiras têm vida longa?

Conhecida em Irineópolis como parteira de centenas de crianças, Dona Filomena chama atenção pela vitalidade e sabedoria

Ellen Colombo

IRINEÓPOLIS
 
Já se passava das três da tarde... hora do terço.
A filha de Dona Filomena avisa que ela está acabando de tomar café e logo vai me atender. Depois de alguns minutos a senhora de quase 93 anos de idade, cabelos alvos e andar tranquilo, vem lentamente dos fundos da loja. Com extrema calma, ela pega sua almofada alaranjada de cima da cadeira de vime, atrás de um vistoso manequim e a carrega.“Vamos lá traz é mais sossegado”, me instrui.
 Na casa de dois pavimentos de sua filha Terezinha Nicoluzzi, conhecida como Leli, proprietária da loja Leli Modas, em Irineópolis, Dona Filomena fica hospedada por dias até que um dos filhos a leva para outra morada. No curto espaço de tempo em que passávamos por um corredor estreito que nos levaria ao lugar pretendido, ela me conta que como de costume iria rezar o terço naquela hora, mas como cheguei preferiu me atender para depois iniciar sua reza. Coloca a almofada cuidadosamente na cadeira do lado de fora da porta e me convida a se sentar em outra cadeira que vagarosamente ela mesma trás.
 
Em meio a Guerra
Em 17 de agosto de 1917, em meio aos últimos resquícios da Guerra do Contestado Filomena Partika veio ao mundo. Nasceu na casa de sua avó materna Elisbeta Tomal no Vicinal 3, na localidade de Vera Guarani, que na época pertencia ao município de Mallet-PR. Seu pai, Francisco Partika, foi informado por Fabrício Vieira, coronel que comandava a revolução na região de que haveria um combate na localidade de Paulo Frontim, onde residia e trabalhava como ferreiro. Esse combate aconteceria perto dos dias em que sua esposa Helena estava para dar à luz o primeiro filho do casal. Ele não pensou duas vezes, imediatamente levou a esposa para a casa dos pais em Vera Guarani. “Pra passar o rio Claro que ficava na divisa entre as colônias, não havia ponte, passavam com a carroça  dentro d’água, os cavalos iam nadando”, conta entusiasmada. “As carroças eram bem feitas naquela época”, comenta.  O transtorno das idas e vindas não deu em nada, o combate prometido pelo coronel não aconteceu. Então eles voltaram para Paulo Frontim com a neném nos braços. Primeira e única filha mulher, dos oito filhos do casal de origem polonesa que não chegou a namorar, o enlace foi arranjado pelos pais. Sua mãe, ainda com 14 anos, conheceu o noivo poucos dias antes do casamento.
 
A vida em Valões
 Em 1924, quando tinha sete anos de idade, sua família se mudou de Paulo Frontim para Valões, atual Irineópolis, em Santa Catarina. “A ferraria faliu e meu pai veio para a localidade de Vila Nova trabalhar como empreiteiro na serraria do Seu Salomão”, explica. Ela cresceu e fez o primário em Vila Nova. “Naquele tempo ainda não tinha escola e as aulas eram na igreja”, lembra. A memória de Filomena permite recordar até o nome da primeira professora, Dona Iracema, que segundo ela, era muito elegante. 
Anos se passaram e o dono da serraria em que seu pai trabalhava faleceu. Sua esposa vendeu todo o maquinário para a família Thomassi. O pai de Filomena começou a trabalhar com eles e se mudou com toda a família. 
 Em 1935, quando completou 18 anos, foi estudar em Mallet, no colégio de freiras onde recebeu instruções variadas e aprendeu técnicas de enfermagem. “No colégio as moças aprendiam de tudo”, afirma. Mas a rigidez e a disciplina enérgica exigida pelas freiras fizeram com que permanecesse apenas três anos, deixando o colégio aos 23. “As freiras eram muito ruins”, justifica. Foi quando voltou para casa de seus pais que conheceu Emílio Nicoluzzi. O jovem tinha vindo de Jaraguá do Sul para trabalhar com a família Thomassi. “O rapaz era bonito, de boa aparência”, descreve. Começaram a namorar e logo se casaram. Ela estava com 24 anos. O casamento aconteceu na igreja do Km 13. “Era no dia em que tinha missa e nós fomos a pé pra casar, andamos 3 km”, conta. Casaram-se somente no religioso, ‘no padre’ como diz Filomena. O casamento civil só aconteceu quando foram fazer o registro do primeiro filho.
 Anos mais tarde, com três filhos pequenos, a família se mudou para o centro da vila Valões. “Quase ninguém morava aqui, mas o movimento era grande por causa do trem”, conta. Seu marido veio como encarregado da família Thomassi para comandar o carregamento de madeira nos vagões do trem. A família morava na casa cedida pela madeireira próxima a Estação Ferroviária que funcionava a todo vapor. O sistema de telegrafia que funcionava na estação era o único meio de comunicação existente. 
 
Trazendo vidas ao mundo
 Filomena é uma das primeiras parteiras de Valões e não consegue contar a quantidade de partos que fez em toda vida. “São muitos”, diz ela. Indo de carroça ou até mesmo a pé para atender os chamados das gestantes, ela se orgulha do trabalho bem feito. “Nunca deu complicação nos partos que fiz”, afirma.
 Nas ‘turmas’ como eram nomeadas as vilas formadas pelas famílias de ferroviários, as chamadas de parto eram constantes. “As famílias dos ferroviários eram grandes com mais de 10 filhos”, conta. “O incentivo financeiros do governo para que os ferroviários tivessem bastante filhos era muito, devido a busca por mão de obra abundante. Cada filho seria um futuro ferroviário como o pai ”, explica a filha de Dona Filomena que se junta a conversa para auxiliar a memória da mãe. A cada cinco quilômetros da linha férrea estava lá uma ‘turma’, para chegar até essas comunidades, Filomena cheia de coragem e atitude subia nos vagonetes do trem.
 Na década de 1950 montou uma clínica de atendimento em Valões, disponibilizando em sua casa 13 quartos para atender vários partos por dia. Essa clínica era autorizada pelo Posto de Policultura de Porto União. As parteiras tinham que enviar relatórios mensais de cada parto, descrevendo um a um detalhadamente. Nessa mesma época Filomena recebeu o título de ‘Diplomada de Curiosa’ como eram denominadas as parteiras da época. O documento veio de Florianópolis.
Associando a data da última menstruação a contagem de lua, Dona Filomena conseguia prever o dia e em alguns casos até a hora em que a criança nasceria. “Dava certinho”, recorda. “Não é como agora que fazem tantos exames e ainda erram o dia em que a criança vai nascer”, emenda. “Era tudo por Deus por isso é que dava certo”, diz.
As previsões de Dona Filomena admiravam até mesmo médicos experientes no assunto. Filomena lembra que um médico de São Paulo que tinha parentes na localidade de Poço Preto, depositava tanta confiança em seu trabalho que trazia sua esposa para que ela fizesse o parto de seus filhos. “O médico chegava com a esposa já doente (em trabalho de parto)”, conta. “Eu dizia: vai nascer daqui a tantas horas. Começava a preparar os apetrechos e, a criança nascia bem na hora em que tinha previsto”, relembra. “Todos se admiravam”, emenda orgulhosamente.
Mas e seus partos, quem fazia? Surge a dúvida. Dos nove filhos que teve, sete homens e duas mulheres, os primeiros partos foram feitos por sua mãe, Helena Partika, que também era parteira. Quando se mudou para a vila Valões, Catarina Hell, uma europeia que era parteira diplomada na vila, foi quem realizou os outros partos. “Somente o filho mais novo nasceu pelas mãos de um médico”, conta. Catarina foi envelhecendo e passou tudo que sabia para Filomena. Foi de Catarina que ela recebeu muitas instruções. “O que não sabia ela me explicava, me deu um livro sobre partos em alemão”, lembra. Também foi Catarina quem organizou os papeis para que Filomena recebesse o diploma.
 
Vida longa
Doando um pouco de si em cada atendimento, sacrificando noites de sono para atender as pacientes. Filomena explica que a escolha por essa missão de trazer vidas ao mundo surgiu de sua vontade de viver bastante. “Eu sabia que a vida de parteira não era fácil”, justifica. Ela conta que sua saúde era muito frágil. Um dia Catarina perguntou para ela se queria se curar. Prontamente respondeu que sim. “A parteira então me disse – aprenda a ser parteira assim você vai viver bastante”, recorda. “As parteiras têm vida longa”, comenta. “Desde então me interessei mais ainda em trabalhar com isso, nunca tive preguiça de atender ninguém, passava noites sem dormir direito”, declara. “Trabalhei muito com o povo por isso é que estou viva e com memória boa até hoje”, afirma revelando o segredo de sua longevidade.
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